quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O beijo (por que comemorar)

Semana passada presenciamos na TV aberta brasileira algo inédito: o beijo entre dois homens em horário nobre, em uma novela (carro-chefe da programação e aglutinador de audiência) da maior emissora do país.

Felix e Niko - Amor à vida (2014) 
Logo as redes sociais foram invadidas com palavras a favor ou contra o que foi visto em rede aberta.

Muito do que foi dito era esperado, entretanto foi surpreendente ver uma parte da militância LGBT se mostrar contrária, com dizeres como o de ‘capitalização do beijo gay’, ‘a Globo fez para não perder na internet’, ‘agora a Globo vai querer se passar por boazinha e avançada’, etc. Como conheço muitos LGBT’s (para contemplar a todos sem distinção, usarei a sigla que abarca toda a diversidade) e militantes do movimento pude ver muitos destes argumentos pipocando na minha time-line.

Eu não concordo com todo esse pessimismo que vi e vou elencar (de forma crescente) os motivos em para explicar o porquê:

- Quem é da luta sabe (muito melhor que eu que só acompanho as notícias do front) que ela não acaba aí. Não existe essa ilusão de que, de repente, vivemos uma equalização e isso mesmo quem não é da luta sabe que não é assim. O preconceito e a distinção ainda imperam. Não há ninguém inocente o suficiente para pensar que seja de outra forma (assim espero);

- Ninguém tem que se render as graças da Globo. A copa está ai, com suas presepadas sendo encobertas e disfarçadas pela emissora (que é uma das principais beneficiadas com o evento), além dela ter uma gigantesca divida histórica por conta da ditadura militar, entre tantas coisas. A Globo continua sendo a Globo;

- A emissora não fez isso necessariamente por consciência de causa, mas sim para agradar público. Ok, esse é um ponto contra, pois há ai sim a capitalização do beijo gay, mas há exatamente esse detalhe de agradar que deve ser observado: o público torcia para um homem gay, que era o grande vilão, para que ele se regenerasse de todas as suas tramoias e que ficasse com seu par romântico. A novela em si era exagerada e tendia ao dramalhão mexicano, contando ainda com alguns problemas no desenrolar da história (aquela velha necessidade de fazer emplacar), mas foi exatamente a personagem do Felix que prendeu a atenção e que serviu de motor de desenvolvimento principal da trama;

- A explicação implícita para o desvio de caráter da personagem - o preconceito de seu pai - serve como uma fábula ao público habitual das novelas, mostrando (digamos que de forma didática) que discriminar pode interferir no desenvolvimento ético e afetivo de uma pessoa. Um texto, para ser eficiente, deve comunicar algo ao publico pretendido. Essa é uma regra básica que se aprende em análise textual e que é ai bem empregada. Talvez até tenha faltado alguma coisa na amarração ou essa explicação tenha sido mal elaborada, mas serviu a quem foi direcionado. Soube do relato de um pai que foi de madrugada chorando pedir desculpas ao filho por seu preconceito, lhe dizendo ainda que era para ele levar o namorado em casa para almoçar e conhecer a família; 

- O apoio público não foi a toa: ele veio por conta das mortes violentas e perseguições que LGBT's vem sofrendo e que vem sendo divulgadas e noticiadas pelos apoiadores e militantes da causa, isso sem falar na militância em si, que se dá efetivamente por filmes, documentários e artigos, com grande crescimento nos últimos anos. Então antes de ser visto como mérito da emissora deve ser visto como uma conquista das vítimas, dos perseguidos e de seus simpatizantes;  

-O beijo foi mostrado no capitulo final da novela, que geralmente atrai maior média de público para acompanhar o desfecho, tendo as vezes por audiência até pessoas que não acompanharam a trama toda. Se fosse no meio não teria tido tanto alcance. Lembrando que é uma novela que passou num dos canais que tem essa faixa horária mais cara no país, o que significa um grande numero de expectadores;



Eu poderia levantar mais pontos, mas o que eu gostaria de dizer principalmente é que sim, houve uma vitória. Não é porque não tenha acontecido de forma direta por alguma atividade de militância que deva ser tão duramente criticada. Se houve agora esse espaço é por que tudo que se fez até o momento surtiu efeito.

É como eu li na rede sobre o caso: "se permitam sorrir", mesmo que por uns segundos.

Entretanto claramente é preciso ainda mais. O que dizer dos direitos conquistados por mulheres e negros, que ainda precisam lutar para estes serem realmente efetivos? A luta das minorias e dos oprimidos é contínua.

Em tempo, menção honrosa ao beijo lésbico que passou em novela do SBT, que foi o passo que permitiu que chegássemos ao beijo gay. Para nossa sociedade era preciso este para aquele, considerando que o impacto de um beijo entre duas mulheres é absorvido, de certa forma, pela fetichização deste tipo de relação dentro do imaginário machista, o que não ocorre com o beijo entre homens. Vale lembra ainda que isso não impede que lésbicas sofram tanto preconceito quanto os gays. Vão elas negarem a investida de algum homem  ou simplesmente andar com sua namorada para ver (e ouvir)...

Marcela e Marina - Amor e revolução (2011)

De qualquer forma, se acompanharmos o histórico de tentativas televisivas, veremos, ao que parece, haver a tentativa por parte dos autores de introduzir mais abertamente o tema dentro de suas tramas. Isso mostra que há convergência para um maior destaque, o que configura riscos de hostilidade, mas também a conquista de um maior espaço.


Agora, a luta continua no mundo real, pois a perseguição se mostra cada vez mais acentuada e, apesar dessa merecida visibilidade que a causa LGBT vem recebendo, parece que estes tem sido os dias negros na história daqueles que não tem medo de amar. Talvez por que a divulgação das ocorrências agora se faz de forma mais direta ou por que mais pessoas se assumem, ou os dois, mas a violência está em evidência.

Eu torço para que não sejam necessários mais mártires para que gays, lésbicas e transgêneros possam ter sua liberdade e o direito de amar tanto quanto os convencionais.

O mundo já é muito fodido. Quanto mais amor houver, melhor.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O meu reino

A decoração de um ambiente é algo orgânico.

A Fielda tá aqui só pra aumentar a audiência
Quando adquirimos um espaço, seja uma mesa num escritório, uma sala, um quarto ou mesmo uma casa, decoramos com aquilo que temos disponível ou compramos fazendo uma projeção daquilo que consideramos por decoração ideal.

Só com o tempo que a decoração efetiva, nascida de nossa interação com aquele espaço, surgirá.

Isso é o que se chama por ‘toque pessoal’, algo que aparece quando pegamos todo um ambiente montado em referências externas e adaptamos ao real de nossa necessidade.

Ganhamos quadros, enfeites, luminárias, acessórios, mancebos, criados-mudos, cadeiras... Enfim, itens tão dispares que muitas vezes precisam ser unidos de alguma forma, e muitas vezes as circunstâncias que nos oferendam esses itens nos forçam às adaptações.

Não queremos ser mal-educados em não receber itens que são dispensados por pessoas queridas.

Mas é exatamente dai que nasce a organicidade de um ambiente, por que a vida é uma troca e pelas trocas que vêm os objetos e por vezes são as nossas necessidades naquele determinado momento que nos faz preterir uma coisa em relação outra.

Assim, quando entulhamos ou uma montagem decorativa não combina mais ou com o ambiente ou com nossas escolhas ou com o que verdadeiramente queremos, fazemos o mesmo movimento -“Hei, você não gostaria de um (a)...”

É dessa forma que o ambiente deixa de ser uma caricatura das revistas e sites de decoração e torna-se nossa propriedade, nosso lugar, nosso espaço.

Os objetos vão passando de mesa em mesa, quarto em quarto, sala em sala, casa em casa, reescrevendo suas histórias, ganhando novas significações em cada passagem e carregando um pouco da história anterior (um arranhão, um remendo, um adesivo, aquela carta ou receita que foi usada para marcar um livro).

Mas por que falar sobre isso?

Hoje ocasionalmente pensando em meu quarto, depois de estar já a quase 3 anos nesse que se denomina ‘meu espaço’,  percebo o quanto ele efetivamente o é.
Acumulei tudo que me agradava, coisas ganhadas e compradas, para aos poucos ir me desfazendo, limpando os excessos e ficando verdadeiramente satisfeito com o resultado a ponto de me sentir seguro e em casa.

Claro, depois de tanto tempo tem paredes que precisam ser pintadas, uma quadro magnético de fotos ganhado e não pendurado, um ou outro bibelô que precise ser repensado e algumas figuras e pôsteres que (talvez) mereçam algum espaço, além de um quadro que agora parece ideal ali, naquela coluna entre a porta do banheiro e vão do quarto ou talvez um espelho.

Bom são ideias, opções e decisões não urgentes a se tomar, mas o espaço é meu e poder ter o controle de quando, onde e como, em pelo menos um aspecto de minha vida, é algo satisfatório, mesmo que a decisão tomada seja não decidir nada e continuar deixando o acaso, ou o impulso, trabalhar.







A certeza e a fixidez não são naturais.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Ciclo




...contínua
Segue em seu ciclo
Para fechar o círculo
Cheio de histórias
De uma vida...


Alvorecer tardio




O sol surge finalmente
No céu que se abre.
O sentir imediato
É pular a janela
E enquanto caio
Aproveitar a luz
E me fazer voar
Antes que essa
Minha fantasia
Se interrompa
No concreto
Do chão.


Espelho mágico




Misto de fogo e areia
Reflete um céu com estrelas.
Longe, aparece os anjos
Sem ternura. Um sonho louco.

É o céu que veio à terra,
O céu em que mora Apolo.
Sou eu virado às avessas,
Já não há um fim e nem prólogo.

Me contradigo, Não lhe rezo.
Admiro e ignoro.
Em pedaços, eu me despeço.
Dura face guarda o choro.

Dupla face cobre cinismo.
Tragicômico destino!
Sarcasmo nessa mente áspera,
Desabando desesperada.

No circo, poder e desejo.
É o leão quem dá o beijo.
Neste palco me apresento,

Mantendo meu íntimo intento.

Super-herói




Quero correr
Mais rápido que a luz.
Ir mais longe
Que o som.
Voar mais alto
Que as estrelas.
Ir além do universo.

Para escapar de mim
E meus excessos.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Diálogo




Geralmente se prega decisão.
De verdade, todos são indecisos.

Por enxergar pelo olhar do outro o outro
É preciso fazer o exercício de
            “Eu Primeiro!”

Problema é você ser o outro.
Num espelho, o outro é você.
A violência é um sentido de proteção
Para amenizar o estado nonsense.

Ah! Brigar consigo
            “esquizofrênico”
Foi o que detonou contigo.

Quando vem o cansaço
As políticas vão escada abaixo.
Lidar com tanto que é pouco...
O mundo desmoronando, tu em baixo.

Não cai só o velho mundo, só.
A desesperança é geral.
Sobras do futuro incerto.
Mata a todos, Mata o dia. Mata.

Parece que vivemos a grande guerra.
             “Suicidas”
Por todos os lados personas mutiladas.

Suas belas palavras
Não mais comungam.
Vão perdendo os sentidos
E sobram eus num espelho.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Passional




Sozinho em meu quarto
Agora eu sou o aço,
Que penetra a carne,
Empurrando para dentro    
Nefastos prazeres,
Pigmentos, a salvação!

Eu posso ser a dor e o prazer,
Depende do que procura e quer,
Depende do uso que me faz.

Eu sou a dor e o prazer
Que moram, vizinhas,
No mesmo canto do cérebro.

O que você vai escolher?
Sou dor e prazer.
Crime passional.

Amor passional.

Amplidão claustrofóbica




O inverno vem trazer
Desespero ao coração.
Comprime o peito o peso
De espíritos suspensos.

O olhar se estende,
Não voa além do teto
De nuvens densas.
Ao muro se prende.

O calor foi com o vento,
Como pessoas que vão, fechadas,
Em fria e úmida indiferença,
Ou jazem pelo caminho, fétidas.

Parece que a luz dos carros
Tencionam cegar, por escárnio,
Estes olhos que aparentam
Um par de velas vacilantes.

Tremem com o corpo que treme,
Pelo frio que se faz presente,
Pelo carinho que se faz passado,
Pela esperança que se faz distante.

Já vivi mil e um sóis intensos
Por mil e uma noites extensas,
Mas hoje o que bate na alma,
No mesmo lugar, é a afiada lamina:
"Morremos no momento que nascemos".

A casa não respira,
Não há quem nela respire,
Nem um (nem meu)
Espírito se lamenta ou geme.

Só o vento lá fora,
Em fria e úmida indiferença.
Só a certeza de que hoje
Morri, um tanto mais do além.

Pedaços e pó




Os neons nas boates tem a cor da saudade,
Igual às luzes das cidades e dos carros,
Contrastando noites. Cinzas, chumbo.

É isso e os olhos que abandonaram a paz,
A cada volta indo mais longe nas órbitas.

É isso. Ouvindo músicas que não tocam
E que compassam um sentir lento.

Distância que rápido aumenta.

Vida que lenta se despedaça.

É isto.

Roda-moinho das horas.


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