Apareceu a oportunidade de concorrer em um concurso literário na universidade em que estudo. Preparei meu material e enviei. Mas é uma pena! Não fui selecionado...
De certa forma eu já sabia que isso ocorreria.
Não por desconfiar de meus poemas, pois apesar de ter muito para aprender, já tenho lá meus conceitos sobre o que é e como compor e conheço ao menos um pouco de metrificação e ritmo.
Eu sabia do insucesso por que a seleção que fiz não é bonita. Não brotam flores, esperança e amores naquelas linhas. Não há na seleção um verso sequer que se salve do tom triste, raivoso e pessimista. É minha critica ao tempo que vivemos e ao comodismo que abraçamos. É um retrato dos comuns, de sua rotina, da falsa liberdade que se vive. É a exposição da fragmentação do sujeito, que tem de viver mascaras diversas ao seu rosto, em mais de um mundo (vide os desdobramentos para sermos, na contemporaneidade, o sujeito on-line e off-line).
Após ter feito e enviado a seleção de poemas ao concurso, em uma madrugada qualquer, eu abri a janela do meu quarto e vi aquele céu cinza, aquela noite chuvosa ainda em seu impeto.
E eu no meu escrevi uma pequena crônica, que se tornou um prefácio perfeito para esses poemas que pretendo, em breve, lançar em livro.
Um dos poemas que fará parte do livro é O cidadão no papel, já publicado aqui.
Bom, ao menos esse concurso me serviu para fazer algo que planeja e que achava não ter tempo pra fazer. Pois é, encontrei tempo, tirei da cartola (ou criei vergonha na cara).
Abaixo, segue o prefácio.
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Prefácio
Madrugada
chuvosa em São Paulo, mas poderia ser qualquer lugar nesse mundo. É outono e
faz frio. Sei do poder devastador dessa conjunção, pois abri minha janela e vi
como é triste.
Olho
no horizonte e penso nos fragmentos espalhados por aí. Os fragmentos formados
pelo ímpeto de nossa sociedade. Eles tentam se abrigar, sendo lavados por estas
águas que caem, mas também há, e não posso esquecer, os que estão abrigados,
num cômodo conforto. Ainda outros fornecem tickets, notas e cupons fiscais, bebidas,
porções, atenção, seus corpos.
São
todos fragmentos, alguns conscientes de serem apenas pedaços, células com uma
única função. Outros, perdidos, sem saber direito o seu pra que e para onde.
Outros tantos, ainda, sentem-se
inteiros, como eu e você, com nossas casas, quartos, carros, computadores,
celulares. Posses que nos dão a impressão de sermos órgãos, coração e cérebro
talvez, de um grande corpo ou mesmo este.
Porém,
nada disso, somos realmente apenas umas células, embebidas em pretensões de ser
mais.
Olho
no horizonte e lembro dos fragmentos.
A
paz de espírito não é uma opção e a intenção destas linhas é que também se
lembre e os perceba quando os verem. O mendigo, o menino no farol e a miséria
que o precede, o cobrador, o gari, o catador de lixo, o lixeiro, a pessoa do
pedágio, o caminhoneiro, a dona de casa, o idoso, o garçom, o médico, o
professor, o que limpa, o que suja, os estressados e oprimidos no trânsito,
você. Tanto faz ser homem ou mulher, os gêneros ou as religiões ou as
condições, o status, o capital.
Na
minha pretensão eu quero que você também sofra.
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