Madrugada chuvosa em São Paulo, mas
poderia ser qualquer lugar nesse mundo. É outono e faz frio. Sei do poder
devastador dessa conjunção, pois abri minha janela e vi como é triste.
Olho
no horizonte e penso nos fragmentos espalhados por aí. Os fragmentos formados
pelo ímpeto de nossa sociedade. Eles tentam se abrigar, sendo lavados por estas
águas que caem, mas também há, e não posso esquecer, os que estão abrigados,
num cômodo conforto. Ainda outros fornecem tickets, notas e cupons fiscais, bebidas,
porções, atenção, seus corpos.
São
todos fragmentos, alguns conscientes de serem apenas pedaços, células com uma
única função. Outros, perdidos, sem saber direito o seu pra que e para onde.
Outros tantos, ainda, sentem-se
inteiros, como eu e você, com nossas casas, quartos, carros, computadores,
celulares. Posses que nos dão a impressão de sermos órgãos, coração e cérebro
talvez, de um grande corpo ou mesmo este.
Porém,
nada disso, somos realmente apenas umas células, embebidas em pretensões de ser
mais.
Olho
no horizonte e lembro dos fragmentos.
A
paz de espírito não é uma opção e a intenção destas linhas é que também se
lembre e os perceba quando os verem. O mendigo, o menino no farol e a miséria
que o precede, o cobrador, o gari, o catador de lixo, o lixeiro, a pessoa do
pedágio, o caminhoneiro, a dona de casa, o idoso, o garçom, o médico, o
professor, o que limpa, o que suja, os estressados e oprimidos no trânsito,
você. Tanto faz ser homem ou mulher, os gêneros ou as religiões ou as
condições, o status, o capital.
Na
minha pretensão eu quero que você também sofra.