Semana
passada presenciamos na TV aberta brasileira algo inédito: o beijo entre dois
homens em horário nobre, em uma novela
(carro-chefe da programação e aglutinador de audiência) da maior emissora do país.
Felix e Niko - Amor à vida (2014) |
Muito
do que foi dito era esperado, entretanto foi surpreendente ver
uma parte da militância LGBT se mostrar contrária, com dizeres como o de
‘capitalização do beijo gay’, ‘a Globo fez para não perder na internet’, ‘agora
a Globo vai querer se passar por boazinha e avançada’, etc. Como conheço muitos LGBT’s (para contemplar a todos sem distinção, usarei a
sigla que abarca toda a diversidade) e militantes do movimento pude ver muitos destes argumentos
pipocando na minha time-line.
Eu não
concordo com todo esse pessimismo que vi e vou elencar (de forma crescente) os motivos em para
explicar o porquê:
- Quem é da luta sabe (muito melhor que eu que só acompanho as notícias do front) que ela não acaba aí. Não existe essa ilusão de que, de repente, vivemos uma equalização e isso mesmo quem não é da luta sabe que não é assim. O preconceito e a distinção ainda imperam. Não há ninguém inocente o suficiente para pensar que seja de outra forma (assim espero);
- Ninguém tem que se render as graças da Globo. A copa está ai, com suas presepadas sendo encobertas e disfarçadas pela emissora (que é uma das principais beneficiadas com o evento), além dela ter uma gigantesca divida histórica por conta da ditadura militar, entre tantas coisas. A Globo continua sendo a Globo;
- A explicação implícita para o desvio de caráter da personagem - o preconceito de seu pai - serve como uma fábula ao público habitual das novelas, mostrando (digamos que de forma didática) que discriminar pode interferir no desenvolvimento ético e afetivo de uma pessoa. Um texto, para ser eficiente, deve comunicar algo ao publico pretendido. Essa é uma regra básica que se aprende em análise textual e que é ai bem empregada. Talvez até tenha faltado alguma coisa na amarração ou essa explicação tenha sido mal elaborada, mas serviu a quem foi direcionado. Soube do relato de um pai que foi de madrugada chorando pedir desculpas ao filho por seu preconceito, lhe dizendo ainda que era para ele levar o namorado em casa para almoçar e conhecer a família;
- O apoio público não foi a toa: ele veio por conta das mortes violentas e perseguições que LGBT's vem sofrendo e que vem sendo divulgadas e noticiadas pelos apoiadores e militantes da causa, isso sem falar na militância em si, que se dá efetivamente por filmes, documentários e artigos, com grande crescimento nos últimos anos. Então antes de ser visto como mérito da emissora deve ser visto como uma conquista das vítimas, dos perseguidos e de seus simpatizantes;
-O beijo foi mostrado no capitulo final da novela, que geralmente atrai maior média de público para acompanhar o desfecho, tendo as vezes por audiência até pessoas que não acompanharam a trama toda. Se fosse no meio não teria tido tanto alcance. Lembrando que é uma novela que passou num dos canais que tem essa faixa horária mais cara no país, o que significa um grande numero de expectadores;
Eu poderia levantar mais pontos, mas o que eu gostaria de dizer principalmente é que sim, houve uma vitória. Não é porque não tenha acontecido de forma direta por alguma atividade de militância que deva ser tão duramente criticada. Se houve agora esse espaço é por que tudo que se fez até o momento surtiu efeito.
É como eu li na rede sobre o caso: "se permitam sorrir", mesmo que por uns segundos.
Entretanto claramente é preciso ainda mais. O que dizer dos direitos conquistados por mulheres e negros, que ainda precisam lutar para estes serem realmente efetivos? A luta das minorias e dos oprimidos é contínua.
É como eu li na rede sobre o caso: "se permitam sorrir", mesmo que por uns segundos.
Entretanto claramente é preciso ainda mais. O que dizer dos direitos conquistados por mulheres e negros, que ainda precisam lutar para estes serem realmente efetivos? A luta das minorias e dos oprimidos é contínua.
Em tempo, menção honrosa ao beijo lésbico que passou em novela do SBT, que foi o passo que permitiu que chegássemos ao beijo gay. Para nossa sociedade era preciso este para aquele, considerando que o impacto de um beijo entre duas mulheres é absorvido, de certa forma, pela fetichização deste tipo de relação dentro do imaginário machista, o que não ocorre com o beijo entre homens. Vale lembra ainda que isso não impede que lésbicas sofram tanto preconceito quanto os gays. Vão elas negarem a investida de algum homem ou simplesmente andar com sua namorada para ver (e ouvir)...
Marcela e Marina - Amor e revolução (2011) |
De qualquer forma, se acompanharmos o histórico de tentativas televisivas, veremos, ao que parece, haver a tentativa por parte dos autores de introduzir mais abertamente o tema dentro de suas tramas. Isso mostra que há convergência para um maior destaque, o que configura riscos de hostilidade, mas também a conquista de um maior espaço.
Agora, a luta continua no mundo real, pois a perseguição se mostra cada vez mais acentuada e, apesar dessa merecida visibilidade que a causa LGBT vem recebendo, parece que estes tem sido os dias negros na história daqueles que não tem medo de amar. Talvez por que a divulgação das ocorrências agora se faz de forma mais direta ou por que mais pessoas se assumem, ou os dois, mas a violência está em evidência.
O mundo já é muito fodido. Quanto mais amor houver, melhor.